sexta-feira, 24 de julho de 2009

Suicide [1980]


A campainha tocou. Elizabeth foi conferir. Era Sarah. Elas combinaram de se encontrar, porque Sarah estava curiosa para conhecer o irmão mais velho de Elizabeth, que tinha acabado de comprar o disco Closer do Joy Division:
- Vem... ele já ouviu o disco umas dez vezes –, Elizabeth recebeu a garota e apresentou-lhe a seu irmão. O disco estava rolando a faixa Passover [esta é a crise que eu sabia que vinha, destruindo o equilíbrio que eu tinha, encaro o próximo monte de mentiras, e imagino o que vem depois].
- Essa banda é de Manchester? – perguntou Sarah.
- Sim..., esse disco foi gravado sob uma abóboda de gesso, acredita? – o cara falava fissurado com aquela capa [branca, com uma imagem sombria no meio, enigmática] nas mãos.
- Por quê? – a menina ficou curiosa.
- Para ter uma ressonância de capela. A voz dele é meio desafinada, você não acha? – explicou o rapaz. Assim que o disco foi gravado, aos 23 anos, Ian Curtis se enforcou, em maio de 1980.
- É... Mas você já reparou, os Bauhaus parecem que já estão mortos faz tempo... –, disse Sarah meio assombrada.
- Não fala bobagem menina...

O.K. [1997]


Em frente havia uma rua asfaltada, dividida com aquela fita amarela indicando a contramão. Do lado esquerdo um canteiro de grama bem verde, do lado direito também. Eles estavam sentados num dos degraus daquela escada, com corrimãos de ferro recém-pintados. No meio de um caloroso debate:
- ...veja bem –, indicava o amigo de Fred Harris. O negócio é o seguinte, o cara tem a pálpebra do olho esquerdo caída e não usa drogas pesadas. Mas o segundo disco foi composto por ele no fundo do ônibus de turnê, bêbado. Imagine você se tivesse que cantar Creep num palco ‘eu sou um horroroso, sou um esquisito, que merda eu estou fazendo aqui?’ Você acredita que ele fugia das festas no backstage dos shows, algumas vezes já foi flagrado sozinho no camarim...
- Pior é ser comparado com o U2! –, replicou Fred. Eu acho que o OK Computer é o auge da influência do Closer do Joy Division.
- Mas esse não é o problema –, retrucou o amigo de Fred.
- Como assim... Você não concorda que há influência do Joy Division... daqueles sintetizadores...
- O negócio é a influência do The Idiot em Closer, diz-se que Ian Curtis se suicidou ouvindo esse disco do Iggy Pop...
- Ah... Sim, faz sentido –, concordou Fred.

Tyrannosaurus [1972-1977]


‘Achei!’ [depois de uns dez minutos procurando o disco, Samantha o encontrou embaralhado entre outros]. Era um LP meio cósmico meio cosmético, com muito paetê e purpurina. Um teatro sarcástico, mas romântico: glitter rock ou glam rock. O som lisérgico dos folks e os climas de blues marcaram The Slider, lançado pelo T. Rex em 1972, gravado em Paris e Copenhague. Samantha colocou o disco na vitrola e a agulha exatamente na faixa Main Man, um folk psicodélico, depois ouviu a ballad boogie Telegram Sam. Só assim ela ouviu o disco inteiro, embalando o seu filho recém-nascido. Havia uns seis meses que o vocalista do T. Rex, Marc Bolan, sofreu um acidente de automóvel em Londres e morreu, em setembro de 1977. Mas o seu filho estava ali, desde cedo ouvindo um rock’n’roll materno... O seu nome: Fred Harris.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Jesus em Santa Monica [1986]


Aqui é legal, mas é estranho. Parece que não tem inverno. Como as pessoas vivem sem inverno? Será que neva por aqui? Era Jim ou William Reid em Los Angeles, quando se preparavam para conquistar o eldorado do sexo, do dinheiro, do plástico e do rock’n’roll. O ano era 1986. Escoceses de Glasgow e viciados em cerveja, os irmãos Reid chegaram para desconcertar os Estados Unidos, depois de provocar tumulto em Manchester e tornarem-se os queridos da mídia londrina. Tocaram então em Santa Monica – um show que durou 25 ou 30 minutos, nada mais que isso, num palco negro sem nenhum adereço. Os shows eram curtos, segundo eles, porque senão a platéia se enche. William Reid ficava de costas para platéia, com seu ray ban escuro, agachado ou curvado sobre sua guitarra, tirando ruídos de serra elétrica e melodias distorcidas em músicas como Never Understand e The Living End. Jesus and Mary Chain inertes, num ritmo tribal com voz psicodélica. Enquanto isso, Sarah Thompson estava em sua casa, numa cidadezinha entre Manchester e Liverpool, em frente a sua vitrola, há uns dois meses tinha comprado Psychocandy, mas só tinha conseguido ainda ouvir um lado.

Smashing em Sânscrito [1995]

“Essas letras foram inspiradas no Livro Tibetano dos Mortos e em outros textos em sânscrito... Esse disco é duplo e vendeu demais quando foi lançado... Estou aqui tentando ver o que tem nele... Antes, com o Nirvana, essa banda era retro, depois virou um sucesso... Mas Butch Vig e Courtney Love foram divididos entre eles ...” Era Fred Harris pensando, enquanto ouvia Thru The Eyes Of Ruby, quando sua mãe chegou na porta do seu quarto, enfiou só a cabeça no umbral e disse que amava essa música. Fred pensou: ‘Entendi agora o boom do Mellon Collie & the Infinite Sadness!’. Rapidamente ejetou o disco e colocou In Utero no talo.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Café Bizarre & Andy Warhol [1966]


Alguns meses antes de Andy Warhol integrar o show dos Velvet Underground e incorporar Nico, uma atriz e modelo alemã, nos vocais da banda –, Rob Hardt e sua turma foram de Boston para New York com o intuito de passar num bairro chamado Greenwich Village e irem ao Café Bizarre, aproveitando para assistitir Velvet Underground, que tocava ali desde o início de 1966. No Café, minutos antes de começar o show, Lou Reed anunciara que fariam parte dentro em breve do legendário Exploding Plastic Inevitable de A. Warhol. A partir daí Maureen Tucker começou a marcar o tempo, meio displicente, munida de caixas, bumbo e chimbau com pandeiro: Run, Run, Run...
- Qual é o seu nome? – Rob perguntou para uma garota ao seu lado, na hora em que Run, Run, Run acabou de ser executada.
- Samantha –, ela respondeu dançando até o chão e subiu bem perto dos seus olhos. Nisso, John Cale iniciava uma cascata de violinos, até que Lou Reed começou a cantar Shiny, shiny, shiny boots of leather... Rob ofereceu sua caneca de cerveja a Samantha. De vagar ela se aproximou, quando estava a uns dez centímetros de distância de Rob – pensando que agora ia ganhar um beijo –, ela... Pisou em cima do pé dele.

Hollywood Low-Tech [1990]


Técnicos canadenses, capazes de instalar estúdios de gravação em lugares obscuros, foram contratados para trabalhar em uma casa muito antiga, de 1918, que pertenceu a Rudolf Valetino, no Laurel Canyon em Hollywood. A biblioteca uma sala de controle, com console de gravação e mixagem. A bateria, o baixo e as guitarras foram montados no salão de baile e, ao lado, um compartimento de vidro foi erguido, para Anthony Kiedes gravar as vozes-guia. Mudou-se para essa casa junto com a banda, Rick Rubin produtor de Blood Sugar Sex Magik e toda sua equipe. Sem a pressão de começar em hora definida porque o ‘taxímetro’ do estúdio estava rodando. Tapetes antigos, centenas de velas: foi muito low-tech. Os Red Hot Chili Peppers ganharam essa vantagem com a Warner. Enquanto isso uma turma de fãs ficavam de quarentena em frente dos portões da velha mansão. Fred era um deles, mas não aguentou e voltou para casa, porque discutiu com um daqueles moleques que não queria acreditar que o riff de baixo de Give It Away foi roubado de Come Together dos Beatles nem que metais de New Orleans seriam acrescentados em Apache Rose Peacock...

terça-feira, 21 de julho de 2009

PJ on Shepherd's Bush [1998]


A grande roqueira dos anos noventa decidiu empunhar sua guitarra, ao lado de uma banda violentamente ensaiada. As noites do Shepherd’s Bush em Londres estavam esgotadas: 13 de dezembro de 1998 ficou inesquecível para muitos fãs. Nem um resfriado impediria PJ Harvey de mostrar sua performance, dançar com sua guitarra e tocar suas maracas . O show fluiu com John Parish [guitarra, baixo e bateria], Robert Ellis [bateria, percussão eletrônica, vocais], Eric Drew Fieldman [teclados, baixo] e Jeremy Hogg [guitarra], formação que executou canções de todos os seus álbuns e, principalmente, do Is This Desire? Na saída do show, o tumulto fez Sarah Thompson conhecer Frank, até dividiram uma lata de cerveja. Até que Sarah fez uma pergunta:
- Quantos anos você tem?
- Trinta e uns... – ele respondeu reticente, achando que ela estava o reprovando, porque ele não era mais um adolescente para estar ali.
- Mas você gosta de PJ? – ela questionou.
- Ah! No meu tempo a gente gostava de punk, The Exploited, The Clash... eu já vi os Sex Pistols voltarem e ainda eu estou aqui de...
- Você não me respondeu, você gosta de PJ? – ela retrucou
- Acho que nesse minuto eu estou gostando mais de você – ele se antecipou ante ao silêncio que se precipitou. Mas eles se beijaram e foram cantando Is This Desire? no meio daquela multidão satisfeita, porém sempre mais ávida por um grande espetáculo.

Break on Père-Lachaise [1966-71]


Era uma carta endereçada a Robert Hardt. Uma carta que ele encontrou na fresta embaixo da porta da sala. Não havia remetente. Rob abriu o envelope e leu: “S. F., Califórnia – 17 de setembro, 1966. Olá! Rob Hardt, como vai? Aqui a gente já se despede do verão dia após dia. Estou feliz, acabei de conseguir uma fita-cassete com o ensaio da banda The Psychedelic Ranger, com o baterista John P. Densmore na bateria. Agora ele está tocando em outra banda, chamada The Doors. Os caras se inspiraram em Aldous Huxley e suas “Portas da Percepção”, mas também em William Blake: ‘If the doors of perception were cleaned, everything would appear to man as it trully is, infinite’. Tenho usado mescalina, as experiências tem sido ótimas. No ano que vem você vai conhecer o primeiro álbum dos Doors, com duas músicas muito legais: Light My Fire e Break On The Through. Até a vista, J. Lloyd”.
Lógico que, no momento em que leu essa carta, Rob imediatamente se recordou do seu amigo Lloyd que tinha fugido de Boston rumo ao oeste norte-americano, desde que soube que seria recrutado para o Vietnã. Agora, no entanto, Rob se lembrava desta carta por outro motivo, por causa de outra coisa. Lembrava-se que foi nesta carta a primeira vez que ouviu falar de The Doors. Era julho de 1971, véspera de Independence Day, quando Jim Morrisson tinha sido encontrado morto numa banheira, em Paris, e enterrado no cemitério Père-Lachaise, um pouco antes de seu sangue ser drenado pelo mercado mundial ao chegar a vender cerca de três milhões de discos por ano.

Nevermind em Paramount [1991]


31 de outubro de 1991, dia de Halloween, e o show mais comentado de leste a oeste dos Estados Unidos era o de Seattle: Nirvana e Mudhoney juntos no grande Paramount! Nevermind tinha sido lançado no dia 24 de setembro. O disco vendia tanto que o Nirvana parecia ficar mais famoso 35 mil cópias por dia. O que era para ser um show transformou-se no espetáculo do ano. Todos se assustaram com a lotação do teatro: cinco mil pessoas dentro, mais outras tantas mil ficaram de fora. Fred, lógico, estava de fora – eram dezoito anos de vida em Seattle e nunca viu um estrondo desses. Inquieto, com seu camisão de flanela xadrez e sua calça jeans puída, já deixava o seu cabelo crescer. Depois de três horas em frente ao teatro, ele conseguiu entrar, no fim do show. Parecia um acidente! O palco estava todo destruído: cacos de guitarras e baixos por todo lado, a bateria despedaçada, de um lado, as hastes dos pratos, de outro, os tons jogados e o bumbo fora de centro. O ar estava enfumaçado, um silêncio. Quando Fred olhou para trás; cinco mil pessoas embasbacadas olhando... Nenhum grito de fuck!

Budgie e seus Zildjean [1983]


Sarah Thompson estava na banca de jornal mais próxima de sua casa. Ela encontrou sua amiga Elizabeth exatamente na hora em que conferia no semanário Melody Maker a vitória de Budgie como melhor baterista em 1983, segundo ano consecutivo. Sarah comentou com sua amiga que Budgie era mais uma vez eleito o baterista do ano. Elizabeth perguntou a ela:
- Quem é esse Budgie?
Lentamente Sarah respondeu:
- Budgie? Budgie viveu em Liverpool. Em 1973 ele já frequentava o Eric’s Club. Um ano depois recebeu por telefone um convite para tocar... Sabe com quem? Com Siouxsie & the Banshees. Foi Paul Cookie [baterista do Sex Pistols] quem o indicou. Ele é fã de Ringo Star, Jaki Liebezeit [do extinto Can], Dennis Davis [quando tocava com David Bowie] e Aynsley Dunbar [do LP Berlin de Lou Reed]. Bugie agora namora Siouxsie Sioux. Não é o máximo? A sua bateria preferida deve ter ferragens Premier e Tama, o pedal de bumbo Pearl, os pratos Zildjean. Ele bate forte e com toque econômico, deixando espaços. Uma vez ele disse que ‘os peixes desperdiçados são os que dão qualidade para uma fábrica de sardinha’.
- Yeah! Elizabeth exclamou ofegante.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Carnaval Alternativo [1999]


Sexta-feira de carnaval, 1999. Um cara chegou perto de Pamela e perguntou alguma coisa que misturou com o barulho da festa:
- Ahnn...? É que eu não estou ouvindo nada –, ela tentava se aproximar.
Estava realmente fazendo muito barulho na Rua da Moeda em Recife. Era uma ‘carnaval alternativo’. Três mil pessoas enlouqueciam com o show do Nação Zumbi. O cara chegou e perguntou um pouco mais alto:
- Que banda é essa que está tocando?
- Ah! Daruê Malungo –, depois de enxugar a espuma de cerveja que estava na sua boca com as costas da mão, mas rapidamente corrigiu, antes que o cara se convencesse:
- Minto, é Nação. Nação Zumbi!
O cara ficou curioso e disse:
- Daruê Malungo é daqui?
- É. O show foi maravilhoso. Teve cantos e danças afros no início, depois ‘mangue’, aquela mistura de rock com vocais rap e tambores do maracatu...
Quando Pamela se deu conta o cara já tinha sumido. Ela olhou para um lado e olhou para o outro, viu um senhor e lhe perguntou:
- O senhor viu um cara... ele usava óculos escuros, uma camisa estampada, calça jeans larga... chapéu de palha...
O senhor apontou para a fachada de um casarão do Recife e disse:
- É aquele ali!
- Oh! Pamela estarreceu ao ver a imagem de Chico Science grafitada entre os portões de um sobrado do Recife. A memória tatuada da imagem de um mangueboy.

Cinzas em Heathrow [1996]


Frank estava cansado e tinha acabado de sentar no sofá da sala de sua casa. Esticou o braço até a mesa de centro e pegou o controle remoto. Mirou para a televisão em sua frente. Clicou o controle e a TV ligou. Era maio de 1996. E os Sex Pistols faziam propaganda da sua ‘volta’ com um show no Finsbury Park em Londres. Frank pirou ao ver John Lydon respondendo uma entrevista:
- Por que vocês estão de volta?
- Por causa de dinheiro!
- O que você acha do Green Day?
- Acho uma merda!
- O que você tem a dizer sobre o Sid Vicious?
- As cinzas dele estão no Aeroporto de Heathrow, precisamos de um aspirador de pó...

Estátuas em Liverpool [1984]


Antes de começar a arrumar o quarto, Sarah resolveu ligar o rádio. Primavera de 1984. Um noticiário dizia que ‘a prefeitura de Liverpool anunciara sua intenção de erguer, em praça pública, estátuas dos honoráveis The Beatles’. Sarah mudou de estação, porque achou aquilo óbvio demais e só pensava nos Buzzcocks. Ela queria saber o que andava por trás da sensibilidade terrível de Morrissey. Ela queria entender o que Morrissey queria dizer com: ‘os sintetizadores deveriam ser simbolicamente queimados’. Ininterruptamente se perguntava o porquê de os Buzzcoks serem citados em quase todas as reportagens sobre The Smiths. Após dias, na mesma estação de radio que anunciou as estátuas em Liverpool, um noticiário reparava: “‘já que vão gastar com uma bobagem dessas, por que não homenagear outro fabuloso quarteto de Liverpool, o Echo & the Bunnymen?’ Trata-se de mensagens que chegaram numa chuva de cartas a prefeitura de Liverpool assinadas pela moçada local”. Yeah! Sarah se surpreendeu e falou baixinho: mais um gol para aqueles coelhinhos bêbados!

Boddah & Viretta Park [1994]


Fred Harris não gostava daquelas hordas grunges que fizeram da casa de Kurt Cobain um ponto turístico em Seattle. Não gostava porque não gostava. Achava que queria passar lá. E foi. Era uma mansão construída em 1901. Ao lado da casa havia um jardim num terreno meio baldio, que se chamava Viretta Park. Nesse parque tinha uma banqueta que ficava defronte ao lago Washington. Diz-se que não era bom ir ao banquinho à noite, porque senão corria-se o risco de encontrar o fantasma de Cobain vagando por lá. Fred não pensou que esse fantasma o perturbaria, com efeito, mais ou menos às nove da noite, ele estava sentado no banquinho em frente lago. Não viu o fantasma de Cobain, isto ele confirmava. Mas o que Fred viu e se assustou, depois de tomar uns tragos e de fugir correndo do parque? Viu Boddah: o companheiro invisível que Kurt inventou quando era criança.

Bis com Twist and Shout [1984]


- O que foi minha filha? Perguntou intrigada tia Mary .
- Convidaram-me para ir a um show aí – disse ela, esnobe.
- Que show? Tia Mary atreveu-se.
- De uma banda chamada Echo & the Bunnymen, tia.
- Você aceitou Sarah.
- Sim, por isso é que eu estou down. Eu queria ir a um show dos Smiths.
- Vá minha filha, aproveite!
- Eu vou – ela confirmou.
Tudo rolou direitinho, os tickets, a carona, os amigos, a bebida e o som, tudo realmente estava ótimo. Antes da última música o Ian McCulloch, vocalista dos Bunnymen, gritou ‘este é o Paul’, apontando para o baixista. A platéia rugiu. ‘Este é Ringo’, gesticulando em direção ao baterista. ‘Este é George’, prosseguiu a apresentação para uma música muito antiga: Twist and Shout! Sarah não entendeu nada e continuou achando que as estátuas em Liverpool deveriam ser dos Beatles, já que Will é Ringo, Ian é John, Pattinson é Paul... Ela desencanou, enfim: ‘todos são mesmo de Liverpool, no fundo eles são ‘farinha do mesmo saco’. Nessa época Sarah falava como Morrissey: ‘nunca tive religião, não encontrei o amor, nem nunca tive um coelhinho’.

Peixe Dourado e CBGB [1996]


O céu estava azul e a areia quente. O som de pandeiro, cavaquinho, pandeiro, bongô com pegada rock and roll suingava 'o celular de naná é a lua/a lua é o celular de naná...' A barraca era a 'Peixe Dourado', beira de praia em Jaboatão, periferia do Recife. Pamela estava comendo caranguejo, até que a turma do som parou de tocar. Pouco tempo depois, ela começou a ficar curiosa e perguntou para o pessoal da banda:
- Por que vocês estão tão contentes?
- Tocamos no Celebrate Brooklin Festival. Até deu no New York Times: ‘o futuro da música brasileira está no nordeste!’ Tocamos também no legendário CBGB, berço dos Ramones e dos Talking Heads, com o show Mangrove’s Noise From Brazil em 27 de junho de 1996 –, emendou Zero Quatro.
Pamela se levantou e foi ao balcão, comprou uma garrafa de cachaça Pitú, para todos comemorarem o Manguebit naquele dia de 30 graus, com caranguejo de duas marteladas.

Mudhoney: Roseland, NYC [199...]


Uma garota, de uns quinze anos mais ou menos, atravessou o pátio da escola em direção a quadra de esportes, onde um garoto estava sentado, e perguntou-lhe:
- Foi você que esteve no Roseland semana passada?
- Fui –, respondeu Fred, meio indiferente, mascando chiclete.
- Então você viu o Mudhoney?
- Vi –, ele olhou para cima e mirou o olhar dela, continuando sentado onde estava, ou seja, no meio-fio da quadra da escola.
- Ah, me conta!
- AH! –, espreguiçou-se. Teve o Flaming Lips, o Eugenius e o Celibate Rifles também, né –, ele esticou a meia até a canela e respirou fundo – Quando o Mudhoney entrou no palco todo mundo começou a gritar. No início da música You Got It [keep It Outta My Face] uma galera atacou de stage dive...
- Foi a primeira música? Ela interrompeu.
- Foi. A banda tocou Into The Drink, Let Is Slide, mais umas músicas do álbum Piece Of Cake. Mas o que tinha lá de mais legal não estava no palco...
- Não! Exclamou a garota.
- Não. Estava na platéia. Iggy Pop estava lá, batendo cabeça.
- Que ótimo! Ela ficou satisfeita.
Sob a velha tradição do rock de garagem, com muita microfonia e no ‘salve-se quem puder’. Frank ainda estava com o ouvido zumbindo.

The Exploited Show [1982]


Frank chutava para o ar, naquela noite fria, em meados da década de 1980. Estava muito magro e precisava passar máquina no cabelo, dessa vez, zero. Usava camiseta de malha preta com estampa branca, calça justa, argolas e coturnos. Em frente ao bar, aonde a banda iria tocar, não tinha ninguém. Frank queria assistir o show da banda The Exploited. Na porta, como todo mundo, com os coturnos nas mãos, ele foi revistado. Ao entrar viu que a casa não estava lotada. Uma banda de abertura berrava os poucos minutos de show e marcaram sua presença. O som estava muito alto, com silêncio absoluto entre uma música e outra, ninguém curtiu muito. Mas, em pouco tempo, os escoceses entraram de sola com Let’s Start a War (said Maggie One Day). Todos da banda se agitavam sem parar. Os cabelos voavam. As cusparadas não paravam um minuto. ‘Muito bom’, Frank reclamava, ‘só não teve bis’.

Jingle Bell com The Smiths [1983]



No natal de 1983, Sarah ganhou um presente de sua tia Mary, o singelo single This Charming Man. Sarah já estava cansada de ouvir God Save The Queen e os berros de Johnny Rotten. Sarah era órfã e nem chegou a conhecer seus pais, assim tia Mary correu atrás de sua guarda. A mesa do natal estava farta de alimentos, vinho e licor. Quando Sarah rasgou todo o pacote do seu presente caíram mais dois singles no chão: Hand In Glove e What Difference Does It Make? A casa inteira foi preenchida por um uivo gritante. Ela não sabia o que dizer para sua tia, só gaguejava uns fonemas para justificar o quanto gostava de The Smiths... Quantos dias, meses, ela esperou até acontecer as Peel Sessions na radio BBC... De Manchester, em fevereiro de 1984, The Smiths [o álbum] foi lançado, com Joe Dalessandro de Andy Warhol na capa. Sarah Thompson estarrecida observava atentamente o New Music Express, semanário musical que jogava certa dose de confete na banda de S. Morrissey e J. Marr, que se recusavam a fazer videoclipes para a MTV.